Camera Lucida/Camera Obscura

Camera Lucida/Camera Obscura

Share this post

Camera Lucida/Camera Obscura
Camera Lucida/Camera Obscura
043. Imagem e palavra, espaço e tempo

043. Imagem e palavra, espaço e tempo

Marie-Claire Ropars, “Uma linguagem cinematográfica” (1960)

Lucas Baptista's avatar
Lucas Baptista
Jun 17, 2025
∙ Paid
18

Share this post

Camera Lucida/Camera Obscura
Camera Lucida/Camera Obscura
043. Imagem e palavra, espaço e tempo
1
Share

O texto a seguir é uma tradução minha do artigo “Un langage cinématographique”, de Marie-Claire Ropars, publicado originalmente na revista Esprit em junho de 1960 e incluído na coletânea L’Écran de la mémoire (1970). Acrescentei notas de rodapé para sugerir desdobramentos e leituras complementares.

Alguns livros parecem servir para não apenas coletar os ensaios do autor em determinado período, mas também dar a eles uma coerência que antes não seria possível, ou perceptível com a mesma clareza. Foi a publicação dos volumes de O que é o cinema? que deu uma forma ao pensamento de André Bazin e fez com que ele fosse lido como um teórico mais do que um crítico: a sua produção dos anos 1940 e 1950 foi assim filtrada e recontextualizada, permitindo o vislumbre de uma ordem, ainda que provisória. A reunião dos artigos de Raymond Bellour em L’Analyse du film teve um papel semelhante, dando a textos escritos em ocasiões diversas nos anos 1960 e 1970 a aparência de blocos na construção de um método.

Ropars pode ser posicionada entre esses dois casos. Sua carreira teve início na revista Esprit pouco após a morte de Bazin, de modo que ela praticamente o substituiu como a figura responsável por ali pensar o cinema. Na década de 1960, foram os vários núcleos de invenção e renovação do cinema narrativo que capturaram o seu interesse; L’Écran de la mémoire serviu, portanto, como uma moldura para suas reflexões no período. No livro, constam relatos de festivais (“À Pesaro: perspectives sur un nouveau cinéma”, “Le cinéma en quête de lui-même”) e comentários sobre cinematografias emergentes (“Naissance d’un cinéma”, “Le nouveau cinéma tchécoslovaque”), mas a principal estratégia é o reconhecimento de alguns cineastas como sendo representativos daquele momento. Antonioni, Bresson, Godard, Pasolini, Resnais e Varda retornam em diferentes ocasiões como vias de acesso privilegiadas ao problema que faz as vezes de um ponto de fuga na coletânea. Trata-se da mesma preocupação que Annette Michelson descreveu em seu primeiro texto sobre o cinema: de que o crucial no desenvolvimento cinematográfico se encontrava “na avaliação e redefinição da natureza e do papel da estrutura narrativa”.1 O texto que deixo aqui traduzido, escrito no início da década, mostra como uma intuição afiada poderia já naquela altura notar os caminhos abertos por alguns filmes.2

Para Ropars, essa questão envolveu, desde o início, o diálogo entre cinema e literatura, e dos anos 1980 em diante ela manteve um diálogo constante com a obra de Maurice Blanchot3; mas na década de 1970 os seus esforços foram concentrados na então nascente disciplina da análise fílmica, marcada pelos ideais de autonomia e coerência interna. Em colaborações com outros críticos, e de forma paralela ao trabalho de Bellour, ela produziu análises minuciosas de filmes como Outubro (Eisenstein, 1928), Citizen Kane (Welles, 1941) e Muriel (Resnais, 1963)4, textos áridos, brilhantes, e que hoje parecem monumentos de um período assombrado pelo estruturalismo – impressionantes por seu rigor, por sua ambição totalizante, mas sugestivos de um limite alcançado e (infelizmente, eu diria) abandonado. São pontos luminosos na história do pensamento mais exigente sobre a composição fílmica. Na leitura insistente, até mesmo obsessiva de cenas e narrativas, o que se desenha é uma tentativa de compreender os processos quase microscópicos da construção do sentido, desde os mais imediatos, considerados na prática dos cineastas, até aqueles que remetem ao nível obscuro, inconsciente, talvez inacessível de cada obra de arte.

Nas próximas semanas, vou anunciar um curso online que tangencia essas questões, e no qual os textos de Ropars devem ter um papel central.

This post is for paid subscribers

Already a paid subscriber? Sign in
© 2025 Lucas Baptista
Privacy ∙ Terms ∙ Collection notice
Start writingGet the app
Substack is the home for great culture

Share